Opiniões e perspectivas

Uso educacional do celular com internet ajudaria a reduzir analfabetismo funcional

Publicado: 28/02/2020
Equipe Inaf

Dados do Inaf 2018 apontam que o telefone móvel foi utilizado por 72% dos indivíduos considerados analfabetos funcionais, sendo que 58% deles também acessam a internet

Um agricultor do interior menos adensado do país trabalha a terra na enxada, no meio da lavoura, distante da cidade. Faz uma pausa para se hidratar e, antes de voltar à lida, saca do bolso o telefone celular para um rápido telefonema. Depois, verifica mensagens e, ao final da pausa, tecla um texto curto e transmite um áudio pelo WhatsApp. Ele não sabe escrever muito bem, como ocorre com 51% dos trabalhadores desse setor, de acordo com dados do Inaf 2018. A cena, improvável algumas décadas atrás, hoje é corriqueira. Ícone da escalada recente das novas tecnologias, o celular se popularizou em todo o território nacional e em todas as camadas sociais.

De acordo com a 30ª Pesquisa Anual de Administração e Uso de Tecnologia da Informação nas Empresas, realizada pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP) em 2019, existem no país cerca de 230 milhões de celulares ativos. Os dados mais recentes apurados pelo Cetic.br, departamento de estudos ligado ao Comitê Gestor da Internet no Brasil (Cgi.br), mostram que o celular está presente em 93% das residências brasileiras, atrás apenas da televisão (96%).

Com essa difusão do uso, o celular poderia ser uma ferramenta importante se usado para tirar boa parcela de analfabetos funcionais dessa incômoda estatística. Porém, o potencial pedagógico do aparato tecnológico mais acessível do país ainda é pouco explorado nas escolas. Muitas proíbem o uso por conta da suposta dispersão que o equipamento provoca e, com isso, perde-se a oportunidade de explorar o recurso em toda sua capacidade de conectividade e de produção e leitura multimídia.

Os números do Inaf 2018 apontam que o telefone celular é utilizado por 72% dos indivíduos considerados analfabetos funcionais. É o único indicador elevado para esse nível de alfabetismo, número que não fica muito distante das taxas nos níveis de alfabetismo elementar (93%) e consolidado (97%). Além disso, entre os analfabetos funcionais que utilizam o celular, 58% se conectam à internet.

Entre outros recursos tecnológicos, a desigualdade no uso é maior, mas isso não invalida a possiblidade de eles serem explorados como recursos para o combate ao analfabetismo funcional: computadores de mesa são utilizados por 10% dos analfabetos funcionais e por 55% dos indivíduos com alfabetismo consolidado. No caso dos notebooks, os índices são de 11% e de 57%, respectivamente.

Usos da internet

Dos analfabetos funcionais que utilizaram a internet nos três meses que antecederam a aplicação da última edição do Inaf, 35% o fizeram para enviar ou receber e-mails. Porém, apenas 13% usaram a rede para procurar informações em enciclopédias ou em dicionários digitais e somente 4% se inscreveram em cursos a distância. Uma parcela considerável (39%) buscou informações sobre saúde ou serviços de saúde, conferindo um caráter instrumental ao recurso.

Nas atividades de acesso à informação, destaca-se o fato de que 42% dos analfabetos funcionais consultaram a internet para ler jornais, revistas ou sites de notícia e 32% ouviram programas de rádio. Além disso, 74% acessaram a rede para ouvir música e 32% para jogar.

Há, no uso da internet, uma segregação por faixa etária, que fica mais acentuada no nível dos analfabetos funcionais. Entre eles, dos que têm de 15 a 24 anos, 72% navegam na rede; entre 50 e 64 anos, o acesso cai para 21%; e no nível do alfabetismo consolidado, os índices são de 97% e 78%, respectivamente.

Já o acesso às redes sociais são um fenômeno que, entre os que usam a internet, não deixa tão distantes analfabetos funcionais (72% usam o Facebook) e indivíduos considerados proficientes (89% usam o Facebook). No acesso ao Whatsapp, as taxas são 86% e 97%, respectivamente.

O educador Paulo Freire (1921-1997) afirmava que os temas geradores do trabalho pedagógico deveriam ser selecionados no contexto de vida dos educandos. Hoje, o telefone celular faz parte desse contexto para quase todos os brasileiros. Fica a dica.

 

Destaques

Entre os analfabetos funcionais,

72% utilizam celular.

Entre os analfabetos absolutos,

50% utilizam o celular.

 

Entre os analfabetos funcionais…

…que têm de 15 a 24 anos, 72% usam internet.

…que têm de 50 a 64 anos, 21% usam internet.

 

Entre os indivíduos com alfabetismo consolidado…

…que têm de 15 a 24 anos, 97% usam internet.

…que têm de 50 a 64 anos, 78% usam internet.

 

O Inaf também está no Futura

Assista aos vídeos da série especial Alfabetismo Brasil, no Canal Futura, com a participação de diversos especialistas que comentam os resultados do Inaf 2018.

Episódio sobre contexto digital

 

Palavra de especialista

“Nas escolas, o principal problema não é a falta de equipamento. Basta liberar que os meninos tragam seus celulares. Eles compram o aparelho cada vez mais cedo, mesmo aqueles das camadas sociais mais pobres. A questão hoje é não ter banda suficiente para navegar e isso ocorre por pura falta de vontade política.”

Roxane Rojo, professora de linguística.

 

“No contexto das chamadas fake news, uma sociedade com menos letramento é uma sociedade mais sujeita à influência externa.”

João Alegria, diretor do Canal Futura.

 

“O que nós queremos é desenvolver habilidades e competências de leitura. Quero um leitor proficiente, um leitor crítico, que sabe analisar, comparar, cruzar fontes, buscar dados. Esse leitor não se deixa enganar pelas imagens, por aquilo que ele vê de imediato. Ele é um leitor investigativo.”

Maria do Carmo Almeida, professora de Letras e Ciências da Comunicação.

Conheça o Inaf

O Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf) é um estudo de alcance nacional, realizado desde 2001, que estima os níveis de alfabetismo funcional da população e investiga seus determinantes. Parceria entre o Instituto Paulo Montenegro e a ONG Ação Educativa, a iniciativa é coordenada pela Conhecimento Social. O levantamento é feito por meio de entrevista pessoal e teste cognitivo aplicado a uma amostra representativa da demografia e da diversidade socioeconômica e geográfica da população brasileira que está entre 15 a 64 anos.

De acordo com o Inaf, o indivíduo é funcionalmente alfabetizado quando apresenta um determinado grau de proficiência em letramento e numeramento. O letramento é a habilidade de ler e escrever diferentes gêneros, em diferentes suportes e formatos, com coerência e compreensão crítica. O numeramento é a habilidade de construir raciocínios e aplicar conceitos numéricos simples, ou seja, usar a matemática para atender às demandas do cotidiano. É por meio dessas capacidades que o indivíduo terá plenas condições de participar ativamente da sociedade em seus mais diversos âmbitos.

Os resultados do Inaf localizam a população pesquisada em cinco níveis de alfabetismo. Nos dois primeiros – analfabeto e rudimentar – agrupam-se os chamados analfabetos funcionais. Nos três níveis seguintes – elementar, intermediário e proficiente – concentram-se os indivíduos considerados alfabetizados funcionalmente.

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