Opiniões e perspectivas

Nunca é tarde para retomar os estudos

Logotipo do Podcast do Inaf
Publicado: 01/03/2020
Equipe Inaf

 

Transcrição do podcast

 

Ricardo Falzetta

Olá, eu sou Ricardo Falzetta.

 

Paola Gentile

Eu sou Paola Gentile.

 

Ricardo Falzetta

E este é o Podcast do Inaf.

 

Francisco Carlos Pilat Esteves

Minha mãe estudou acho que até a 4ª série do Ensino Fundamental e meu pai também por aí. Acho que até 92, de lá pra cá, eu não estudei mais. Por muito tempo, eu não me arrependi. Mas chegou uma hora na minha vida que realmente eu fiquei frustrado.

 

Paola Gentile

Que hora foi essa? Como é que foi essa decisão?

 

Francisco Esteves

As melhores chances de trabalho eram com o Ensino Médio completo e eu não conseguia colocação no mercado por causa da falta desse diploma.

 

Paola Gentile

Francisco Carlos Pilat Esteves tem 47 anos. Ele trabalha na área de segurança de eventos culturais em São Paulo, geralmente nos finais de semana, quando mais acontecem shows e festas. Para ele, era difícil manter uma rotina.

 

Ricardo Falzetta

Mas, durante um ano e meio, ele se esforçou para manter pelo menos uma: a de estudante. A volta aos estudos teve muitas motivações, fora e dentro de casa:

 

Francisco Esteves

Eu estava perdendo vagas de serviço por causa disso. Até porque eu queria prestar um concurso público e não tinha condições sem ter o Ensino Médio completo.

 

Paola Gentile

Em 2018, Francisco se formou no Ensino Médio com Letícia, sua filha de 18 anos.

 

Francisco Esteves

Eu vendo minha filha já se formando e eu parado, eu resolvi pleitear o estudo novamente.

 

Ricardo Falzetta

Francisco foi um dos 3 milhões e meio de alunos matriculados em 2018 na Educação de Jovens e Adultos, modalidade que atende as pessoas que não conseguiram finalizar os estudos na idade certa.

 

Paola Gentile

Apesar de o Brasil ter quase a população do Uruguai cursando a EJA para conseguir finalizar a Educação Básica, as políticas públicas para essa modalidade estão minguando.

 

Ricardo Falzetta

A Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi), que era a responsável por pensar em como atender a esse público, foi dissolvida no dia 2 de janeiro de 2019.

 

Paola Gentile

A Comissão Nacional de Alfabetização e Educação de Jovens e Adultos, que reunia representantes de movimentos sociais e da sociedade civil para assessorar as políticas de EJA no Ministério da Educação, foi extinta no início de abril.

 

Ricardo Falzetta

Roberto Catelli Jr., diretor executivo da ONG Ação Educativa e pesquisador nessa área, critica a falta de políticas públicas.

 

Roberto Catelli Jr.

No nível federal, hoje não tem política de Educação de Jovens e Adultos. Não é uma maneira figurada de dizer. Não tem mesmo. Não tem secretaria, não tem coordenação, não tem nada. Existe uma secretaria de alfabetização, mas que, claramente, está muito mais focada no tema das crianças do que… O que aparece dos adultos é muito marginal. Não tem recurso, não tem verba destinada, não tem material didático. Então, no nível federal, a gente hoje… Nem o programa Brasil Alfabetizado, que era o programa de alfabetização, está funcionando.

 

Paola Gentile

Não é difícil encontrar secretários municipais ou estaduais de Educação e também alguns especialistas em finanças públicas que condenem o investimento na Educação de Jovens e Adultos e defendam que o dinheiro seja aplicado na Educação de crianças.

 

Roberto Catelli Jr.

Dizer que você vai deixar de precisar de uma política de alfabetização de adultos em um país como o Brasil é impossível. Porque é um país [que] tem um lógica que a gente tem sempre que levar em conta, que o tamanho da desigualdade educacional também tem a ver com o tamanho da desigualdade social. Como é um país muito socialmente desigual, você vai fabricar mais pessoas que vão ficar marginais ao sistema educacional. E estamos falando de um país em que metade da população com 15 anos ou mais não tem sequer o Ensino Fundamental. Então como é que você pode falar que é mais importante investir na criança? É tão importante quanto, num país que a maior parte dos pais dessas crianças não tem Ensino Fundamental. Então, até para pensar numa política para crianças… O próprio Inaf traz isso em todas as sua edições, que é essa ideia de que as pessoas com melhor desempenho no Inaf são as pessoas com pais mais escolarizados. Se eu tenho metade da população que não tem nem o Ensino Fundamental, acima dos 15 anos, provavelmente eles serão pais que terão menos condição de fazer com que seu filho permaneça na escola. Só por isso já justificaria investir dos dois lados. Na verdade, uma coisa está conectada na outra.

 

Ricardo Falzetta

De fato, os dados do Índice de Alfabetismo Funcional mostram uma forte correlação entre o nível de escolarização dos pais e a proficiência dos filhos.

 

Paola Gentile

Ou seja, entre pais e mães com maior escolaridade, é mais frequente encontrar filhos que superam os níveis elementares de alfabetismo e atingem os mais altos graus de letramento e numeramento.

 

Ricardo Falzetta

Uma das explicações é que o desenvolvimento das habilidades de letramento e numeramento se dá em outros espaços para além da escola, sendo a família um dos mais importantes.

 

Paola Gentile

Pais e mães com maior nível de escolaridade, via de regra, proporcionam a seus filhos oportunidades mais frequentes de uso da leitura e da escrita.

 

Ricardo Falzetta

Além disso, especialmente nas gerações mais velhas de brasileiros e brasileiras, a escolaridade está fortemente relacionada à renda: quanto mais escolarizados, maior a renda.

 

Paola Gentile

A maior renda, por sua vez, amplia as oportunidades de acesso dos filhos a materiais de leitura e a múltiplas vivências em contextos letrados.

 

Ricardo Falzetta

Por fim, mas certamente não menos importante, filhos de pais mais escolarizados e com maior renda frequentam a escola por mais tempo e a escolaridade é um dos fatores que mais pesam no nível de alfabetismo.

 

Paola Gentile

Alguns dados deixam essa realidade mais clara: 94% das pessoas entre 15 e 64 anos que têm ou tiveram pai com ensino superior completo ou incompleto são considerados alfabetizados funcionalmente.

 

Ricardo Falzetta

Na outra ponta, quase 57% dos indivíduos que têm ou tiveram pai sem nenhuma escolaridade são considerados analfabetos funcionais.

 

Paola Gentile

Entre as pessoas com mãe que não frequentou a escola, o nível de analfabetismo funcional é ainda maior: 59%.

 

Ricardo Falzetta

Uma pesquisa internacional reforça a importância de investir no letramento dos adultos e de toda a sociedade:

 

Paola Gentile

Segundo relatório produzido em 2018 pela World Literacy Foundation, pais com baixo nível de letramento tendem a ter expectativas menores em relação ao desempenho dos filhos na escola.

 

Ricardo Falzetta

Além disso, quanto mais os pais usam a leitura no dia a dia e desfrutam dela, mais incentivam os filhos a ler e a estudar.

 

Ricardo Falzetta

Motivados um pelo outro, Francisco e Letícia estudavam juntos alguns conteúdos do Ensino Médio.

 

Letícia Esteves

Geralmente a gente falava mais de matérias de filosofia, mas, às vezes, quando ele tinha alguma dúvida de matemática, eu ajudava. Português, até porque agora eu estou em Letras, então sempre tive uma facilidade. É isso, acho que uma coisa que eu sempre tive foi ele como um exemplo, mesmo que ele não tivesse terminado os estudos, eu sempre considerei meu pai um cara super inteligente. Então eu achava que tinha que seguir o exemplo dele. Ele era muito esforçado e estudioso, então vou ser como meu pai.

 

Paola Gentile

Alguma vez passou pela sua cabeça não fazer uma faculdade e parar no Ensino Médio?

 

Letícia Esteves

Não. Eu sempre tive vontade de fazer a faculdade. Eu tinha dúvida de qual curso fazer. Mas eu nunca pensei em não tentar. Mesmo que fosse um curso técnico ou alguma coisa, eu sempre tive isso na minha mente, que eu queria continuar estudando, independente do que fosse.

 

Paola Gentile

Francisco conseguiu dar o exemplo. Letícia faz licenciatura em Letras no instituto federal São Paulo. Ela é a primeira pessoa da família a frequentar um curso superior e se sente responsável pela continuidade dos estudos de seus irmãos, Isabela, de 10 anos, e Miguel, de 6 anos.

 

Letícia Esteves

É isso, eu quero mostrar para eles que eles podem tentar uma faculdade, mesmo que a gente não tenha condições financeiras de pagar, eles podem tentar prestar um vestibular e fazer o que eles têm vontade de fazer. Eles não precisam ficar presos em um lugar, eles têm o mundo todo para conhecer. Então, eu tento mostrar isso para eles. E agora, com a faculdade, que eu consegui, eu sinto que eu vou conseguir auxiliar mais eles do que antes. Provavelmente, quando eles terminarem o Ensino Médio, eu já vou estar formada, já vou estar trabalhando na área e vou poder auxiliar também financeiramente. Isso me deixa mais confortável.

 

Paola Gentile

Você está se preparando para ser professora. Você disse que licenciatura não era sua primeira opção. Mas o que você está achando? Você pretende continuar em Letras e seguir a carreira de professora ou você ainda tem vontade de fazer uma outra graduação?

 

Letícia Esteves

Minha primeira opção não era Letras, eu tinha muita dúvida em encontrar qual carreira eu ia seguir. Só que, agora, tendo contato com a licenciatura, tudo o que engloba o curso, eu estou realmente me apaixonando e tenho vontade de continuar. Mesmo que não seja como professora, mas que seja pesquisando. Porque acredito que quem faz as pesquisas ou monta artigos também está auxiliando os professores, auxiliando quem está em sala de aula. Então, mesmo se não for para a área docente, eu quero continuar nesse meio, porque acho que auxilia muito. Há pouco tempo, eu vi uma coisa que me marcou, foi um comentário do Drazuio Varela em que ele falou que todas as pessoas que têm um estudo público poderiam pensar em devolver isso para a sociedade. Então, como eu estou tendo essa oportunidade de fazer uma faculdade pública, eu quero poder devolver para a sociedade algo bom, algo que seja benéfico para eles também, não só para mim.

 

Ricardo Falzetta

Francisco também tem planos para o futuro. Em 2019 ele fez inscrição no Enem, mas não se sentiu preparado para enfrentar o exame. Em 2020, vai se inscrever novamente, dessa vez prometendo estudar para passar. Ele quer mudar de profissão.

 

Francisco Esteves

Eu estou mais disposto a atingir mais metas, outras metas. Planejar outras coisas. Agora, essa situação de ter concluído o Ensino Médio me abriu um leque de oportunidades. Eu pretendo estudar, pretendo fazer uma faculdade. Esse ano eu me inscrevi no Enem, só que não me preparei e nem fui. Só que ano que vem eu quero tentar novamente o Enem para tentar entrar numa faculdade pública.

 

Paola Gentile

O que que o senhor quer fazer?

 

Francisco Esteves

Eu tenho interesse em Farmácia.

 

Ricardo Falzetta

O sensível aumento da escolaridade das crianças brasileiras a partir dos anos 1990 permite projetar um futuro em que seja possível quebrar o círculo perverso de transmissão geracional das vulnerabilidades sociais.

 

Paola Gentile

Hoje adultas, muitas daquelas crianças são, como Letícia, a primeira geração de suas famílias a completar sua escolaridade, e podendo oferecer a seus filhos melhores oportunidades de aprendizagem e desenvolvimento.

 

Ricardo Falzetta

Para saber mais sobre alfabetismo funcional, navegue no site e acesse as tabelas e os gráficos de todas as medições.

 

Paola Gentile

O Podcast do Inaf é produzido pela RFPG Comunicação.

 

Ricardo Falzetta

Roteiro e apresentação, Paola Gentile e Ricardo Falzetta.

 

Paola Gentile

Edição e mixagem, Marcos Azambuja e Ganzah Produtora de Áudio.

 

Conheça o Inaf

O Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf) é um estudo de alcance nacional, realizado desde 2001, que estima os níveis de alfabetismo funcional da população e investiga seus determinantes. Parceria entre o Instituto Paulo Montenegro e a ONG Ação Educativa, a iniciativa é coordenada pela Conhecimento Social. O levantamento é feito por meio de entrevista pessoal e teste cognitivo aplicado a uma amostra representativa da demografia e da diversidade socioeconômica e geográfica da população brasileira que está entre 15 a 64 anos.

De acordo com o Inaf, o indivíduo é funcionalmente alfabetizado quando apresenta um determinado grau de proficiência em letramento e numeramento. O letramento é a habilidade de ler e escrever diferentes gêneros, em diferentes suportes e formatos, com coerência e compreensão crítica. O numeramento é a habilidade de construir raciocínios e aplicar conceitos numéricos simples, ou seja, usar a matemática para atender às demandas do cotidiano. É por meio dessas capacidades que o indivíduo terá plenas condições de participar ativamente da sociedade em seus mais diversos âmbitos.

Os resultados do Inaf localizam a população pesquisada em cinco níveis de alfabetismo. Nos dois primeiros – analfabeto e rudimentar – agrupam-se os chamados analfabetos funcionais. Nos três níveis seguintes – elementar, intermediário e proficiente – concentram-se os indivíduos considerados alfabetizados funcionalmente.

Quem Somos Nossa Metodologia

Opiniões e perspectivas relacionadas