Apesar de os dados detectarem que a escolarização contribui para a proficiência em alfabetismo funcional da população, o recorte por raça/cor revela que brancos são mais beneficiados pela escola do que negros
De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad 2015), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ser preto ou pardo no Brasil significa fazer parte de 54% da população. Se essa pessoa tiver entre 15 e 64 anos, os dados do Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf) de 2018 também indicam que ela teve ou terá mais dificuldade para chegar à Educação Superior – apenas 14% dos negros atingem essa etapa, contra 25% dos 37% que se declaram brancos. A desigualdade começa, contudo, antes mesmo da entrada nos sistemas educacionais, pois cerca de 6% da população negra afirma não ter nenhuma escolaridade, número que cai para 3% entre os brancos, segundo a amostra do Inaf.
Aos que superam as restrições de partida e conseguem ingressar na escola, os segmentos iniciais já se mostram desafiadores em relação à equidade: enquanto 12% dos brancos param os estudos em algum momento do ciclo inicial do Ensino Fundamental (até a 4ª série ou o 5º ano), entre os negros (pretos ou pardos) esse índice sobe para 16%. Isso quer dizer que há mais chance de abandono escolar entre as crianças negras que acessam o sistema educacional do que entre as brancas.
No universo dos que chegam ao segundo ciclo do Ensino Fundamental (6o ao 9o ano ou 5a à 8a série), a diferença entre brancos e negros que interrompem os estudos ao longo do período cai: são 20% entre brancos contra 23% entre negros.
O Ensino Médio é a única fase em que a situação se equipara: 41% dos negros e 40% dos brancos declaram ter como escolaridade um dos anos da etapa final da Educação Básica. Porém, como visto, os números voltam a se distanciar a favor dos brancos no Ensino Superior, atingindo a diferença de 11 pontos percentuais.
Escolaridade e proficiência
Os dados sobre a trajetória escolar, como era de se esperar, impactam na proficiência do público analisado. No geral, a população com maior escolaridade atinge níveis mais elevados em letramento e numeramento. Porém, cruzando os números com o recorte racial, mesmo entre os que têm igual nível de escolaridade, há diferença nos resultados. Dos brancos que chegam ao final do Ensino Fundamental, 25% alcançam o chamado alfabetismo consolidado (soma dos níveis intermediário e proficiente, os dois mais altos da escala de cinco feita pelo Inaf). Na população negra com essa mesma faixa de escolaridade, o número cai para 20%. Entre brancos com Ensino Médio, 52% têm alfabetismo consolidado; entre os negros, são 43%. Finalmente, entre indivíduos brancos com Educação Superior, a taxa de alfabetismo consolidado é de 75%; na população negra, 67%.
Portanto, ainda que a série histórica do Inaf mostre a forte correlação entre escolaridade e nível de alfabetismo funcional, esse efeito se mostra desigual quando os dados sobre brancos e negros são analisados separadamente. Os números mostram que esses dois grupos estão tendo acesso a oportunidades educacionais nominalmente iguais, mas diferentes em termos de garantia da aprendizagem.
Destaques
Inaf de brancos e negros
77% dos brancos (15 a 64 anos) são funcionalmente alfabetizados.
32% estão no nível elementar.
45% se localizam no nível consolidado (intermediário + proficiente).
69% dos negros (15 a 64 anos) são funcionalmente alfabetizados.
36% estão no nível elementar.
33% se localizam no nível consolidado (intermediário + proficiente).
Situação de trabalho
25% dos brancos e 32% dos negros desempregados ou que procuram o primeiro emprego são analfabetos funcionais.
46% dos brancos e 29% dos negros desempregados ou que procuram o primeiro emprego têm alfabetismo funcional consolidado.
Renda e raça
19% dos brancos e 11% dos negros com alfabetismo funcional consolidado têm renda familiar acima de 5 salários mínimos.
O Inaf também está no Futura
Assista aos vídeos da série especial Alfabetismo Brasil, no Canal Futura, com a participação de diversos especialistas que comentam os resultados do Inaf 2018.
Episódio sobre raça/cor
Palavra de especialista
“Apesar das conquistas das últimas décadas, toda a representação do poder político, do poder econômico e também do mundo corporativo estão excessivamente representadas por homens brancos.”Flávia Oliveira, jornalista
“A escolarização da população negra é muito recente no Brasil. E a escola pode reforçar ou amenizar as desigualdades. Os indicadores do Inaf 2018 mostram uma ligeira amenização, mas precisávamos avançar de forma mais contundente.”André Luiz da Silva, antropólogo
Conheça o Inaf
O Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf) é um estudo de alcance nacional, realizado desde 2001, que estima os níveis de alfabetismo funcional da população e investiga seus determinantes. Parceria entre o Instituto Paulo Montenegro e a ONG Ação Educativa, a iniciativa é coordenada pela Conhecimento Social. O levantamento é feito por meio de entrevista pessoal e teste cognitivo aplicado a uma amostra representativa da demografia e da diversidade socioeconômica e geográfica da população brasileira que está entre 15 a 64 anos.
De acordo com o Inaf, o indivíduo é funcionalmente alfabetizado quando apresenta um determinado grau de proficiência em letramento e numeramento. O letramento é a habilidade de ler e escrever diferentes gêneros, em diferentes suportes e formatos, com coerência e compreensão crítica. O numeramento é a habilidade de construir raciocínios e aplicar conceitos numéricos simples, ou seja, usar a matemática para atender às demandas do cotidiano. É por meio dessas capacidades que o indivíduo terá plenas condições de participar ativamente da sociedade em seus mais diversos âmbitos.
Os resultados do Inaf localizam a população pesquisada em cinco níveis de alfabetismo. Nos dois primeiros – analfabeto e rudimentar – agrupam-se os chamados analfabetos funcionais. Nos três níveis seguintes – elementar, intermediário e proficiente – concentram-se os indivíduos considerados alfabetizados funcionalmente.