Apesar de terem maior escolaridade
e maior domínio das habilidades de letramento
e numeramento, as mulheres ainda são discriminadas no mercado de trabalho
A evolução das mulheres no Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf) vem sendo ligeiramente mais intensa do que a dos homens. A série histórica dos dados mostra que, entre 2001 e 2018, a porcentagem de mulheres funcionalmente alfabetizadas subiu de 61% para 72%. O dado é condizente com o avanço na escolaridade das mulheres, que tem ficado acima da taxa de crescimento para os homens: segundo os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Contínua 2017), do Instituto Nacional de Geografia e Estatística (IBGE), as mulheres de 15 anos ou mais ficam em média 9,6 anos na escola, contra 9,2, no caso dos homens.
Mesmo com esse crescimento, o espaço da mulher nos diversos setores da sociedade brasileira ainda é ofuscado pela prevalência masculina, resultado de uma tradição patriarcal e machista da civilização moderna. Há indícios que os empregadores preferem dar os postos de trabalho a homens. De acordo com o Inaf 2018, 56% da população geral declara estar trabalhando. Porém entre as mulheres, esse índice cai para 47%. De acordo com o relatório Perspectivas Sociais e de Emprego no Mundo – 2017, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a diferença entre mulheres e homens no mercado de trabalho brasileiro é de 22,1 pontos percentuais. A média global é ainda pior, de 26,7 pontos percentuais.
Ainda segundo a OIT, se a distância entre a participação feminina e masculina no mercado de trabalho diminuísse 25% até 2025 (o que significaria 5,1 milhões de mulheres a mais no mercado de trabalho), o PIB do Brasil aumentaria em até R$ 382 bilhões, ou seja, 3,3% de acréscimo. Já a receita tributária em função do consumo resultante dessa inserção seria da ordem de R$ 131 bilhões, valor equivalente ao déficit fiscal das contas do governo no ano de 2017.
Compromisso mundial
A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, aprovada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2015 coloca o combate à desigualdade de gênero como uma das condições para o pleno cumprimento dos 17 objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) estabelecidos no documento. Mais específico, o relatório Mulheres no Trabalho – Tendências 2017, da OIT, defende que “mais empregos – e de qualidade – para as mulheres, proteção social universal e medidas que reconheçam, reduzam e redistribuam o trabalho dos cuidados não remunerado e as tarefas domésticas são indispensáveis para apoiar a nova agenda transformadora, que visa erradicar a pobreza (ODS 1) e as desigualdades (ODS 10), para alcançar a igualdade de gênero (ODS 5) e para promover o crescimento econômico, inclusivo e sustentável, o emprego pleno e produtivo e o trabalho digno para todas as pessoas (ODS 8).” Segundo o Inaf 2018, da população considerada proficiente em letramento e numeramento, apenas 5% se declaram donas de casa, enquanto 71% afirmam estar trabalhando.
A mulher e a alfabetização dos filhos
Por causa da influência das mães no processo de alfabetização, o avanço feminino nos indicadores sociais poderia se transformar em um ciclo virtuoso de combate ao analfabetismo funcional no país. Segundo o Inaf 2018, a mãe é a pessoa que mais influenciou no desenvolvimento da leitura para 55% dos indivíduos que estão no nível proficiente de alfabetismo funcional e para 48% dos que estão no nível intermediário e elementar. Isso quer dizer que um investimento maior na educação da mulher traria reflexos significativos em outros índices, como os do letramento e do numeramento da população em geral.
A escolaridade da mãe ou de uma responsável do sexo feminino também tem correlação com o nível de alfabetismo. Dos indivíduos considerados analfabetos funcionais, 57% declaram que a mãe ou não tem nenhuma escolaridade ou cursou apenas os anos iniciais do Ensino Fundamental. Outros 23% afirmaram não conhecer a mãe ou não souberam responder. Por outro lado, apenas 24% da população com alfabetismo consolidado afirma que a mãe não tem escolaridade ou estudou até a 4ª série (ou 5º ano) do Fundamental. Enquanto que 37% responderam que a mãe tem ou Ensino Médio ou Educação Superior, completos ou incompletos.
Destaques
Em 2001-2002,
39% da população feminina era analfabeta funcional
Em 2018,
28% da população feminina era analfabeta funcional
Entre os indivíduos que não têm nenhuma escolaridade,
57% são homens
43% são mulheres
Entre os indivíduos que têm nível superior,
41% são homens
59% são mulheres
A mãe é a pessoa que mais influenciou pela leitura para
55% das pessoas com nível proficiente
48% dos que estão nos níveis intermediário e elementar
41% dos que estão no nível rudimentar
21% dos analfabetos
Das mulheres com cargo de coordenação
41% estão no nível proficiente
24% no nível intermediário
30% no nível elementar
5% são analfabetas funcionais
Na população geral, 56% declaram estar trabalhando.
Entre as mulheres, o índice é de 47%.
Entre as analfabetas, 36% declaram ser donas de casa.
Entre as proficientes, são 9%.
O Inaf também está no Futura
Assista aos vídeos da série especial Alfabetismo Brasil, no Canal Futura, com a participação de diversos especialistas que comentam os resultados do Inaf 2018.
Assista ao episódio sobre mulheres.
Palavra de especialista
“Há uma correlação entre a escolaridade da mãe e a proficiência dos filhos mais forte do que em relação à escolaridade do pai.”
Ana Lima, economista, fundadora da Conhecimento Social
“O sistema social, político e educacional constrói uma situação na qual não sobra espaço para a mulher. O homem não precisa se esforçar tanto para conseguir, porque o posto de trabalho para ele já está previamente definido. Mas a mulher precisa se esforçar muito mais abrir esse espaço.”
Rachel Abdalla, doutora em História da Educação
“A mulher não tem voz pública. A praça pública no Brasil ainda é do homem. E o espaço privado da casa é da mulher.”
Raquel Preto, advogada
Conheça o Inaf
O Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf) é um estudo de alcance nacional, realizado desde 2001, que estima os níveis de alfabetismo funcional da população e investiga seus determinantes. Parceria entre o Instituto Paulo Montenegro e a ONG Ação Educativa, a iniciativa é coordenada pela Conhecimento Social. O levantamento é feito por meio de entrevista pessoal e teste cognitivo aplicado a uma amostra representativa da demografia e da diversidade socioeconômica e geográfica da população brasileira que está entre 15 a 64 anos.
De acordo com o Inaf, o indivíduo é funcionalmente alfabetizado quando apresenta um determinado grau de proficiência em letramento e numeramento. O letramento é a habilidade de ler e escrever diferentes gêneros, em diferentes suportes e formatos, com coerência e compreensão crítica. O numeramento é a habilidade de construir raciocínios e aplicar conceitos numéricos simples, ou seja, usar a matemática para atender às demandas do cotidiano. É por meio dessas capacidades que o indivíduo terá plenas condições de participar ativamente da sociedade em seus mais diversos âmbitos.
Os resultados do Inaf localizam a população pesquisada em cinco níveis de alfabetismo. Nos dois primeiros – analfabeto e rudimentar – agrupam-se os chamados analfabetos funcionais. Nos três níveis seguintes – elementar, intermediário e proficiente – concentram-se os indivíduos considerados alfabetizados funcionalmente.